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Fim do Mundo e o Calendário Maia - Revista SuperInteressante
As visões do Fim:
Maias, o último calendário
Existe uma data para o fim do mundo, mas faltou combinar com os maias
Pela enésima vez o mundo tem data para acabar. Na próxima, o fim dos tempos está marcado para o dia 21 de dezembro de 2012. Era o que deveria ter acontecido no ano 1000 e depois em 2000 e em várias outras datas ao longo da história da humanidade. Mesmo que todas as previsões anteriores tenham falhado - tanto que você está lendo este texto - novas não param de aparecer. A base para elas são variadas e diversas, mas quase sempre se apóiam em lendas e mitos de povos antigos. A da hora teria sido feita pelos maias, civilização que floresceu na chamada Mesoamérica - região que hoje abrange os atuais México, Guatemala, El Salvador, Honduras e Belize - entre os séculos 2 e 9.
A ideia de
que o mundo vai acabar no ano que vem é um fenômeno mundial e tem
gerado discussões pelo planeta afora. Zilhões de páginas impressas e
bytes tratam do assunto. São livros, artigos, reportagens, vídeos,
blogs, sites e até uma megaprodução hollywoodiana - o filme-catástrofe
2012, que chegou às telas em 2009. A obra foi dirigida por Roland
Emmerich, que tem em seu currículo filmes como Independence Day (1996),
Godzilla (1998) e O Dia Depois de Amanhã (2004). Ou seja, o fim dos
tempos parece ser ideia fixa do diretor. Baseado numa suposta previsão
feita pelos maias, o enredo do filme é de assustar. Na trama, o núcleo
da Terra é bombardeado por neutrinos, partículas sem massa oriundas do
centro do Sol, o que faz com que ele se aqueça de forma rápida e
anormal. Isso provoca um deslocamento da crosta terrestre, levando a
consequências apocalípticas. O estado americano da Califórnia, por
exemplo, é jogado no Oceano Pacífico; o supervulcão adormecido de
Yellowstone, também nos Estados Unidos, entra em erupção; grandes
terremotos sacodem o planeta e vários megatsunamis varrem do mapa
cidades costeiras, como o Rio de Janeiro.
O único problema é que
os maias não previram nada disso. Assim como não previram a sua própria
decadência e fim como civilização, nem a chegada dos conquistadores
espanhóis, liderados por Hernán Cortez. Na verdade, eles não acreditavam
no fim do mundo. "Não há registros de uma preocupação deles com o final
dos tempos", assegura a professora de História da América Etiane Caloy,
da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). "Eles lidavam
com um tempo cíclico, com vários ciclos que se encerrariam dando lugar a
outros ciclos. Como exemplo e comparação, podemos falar do nosso Ano
Novo: a data de 31 de dezembro é o final de um ciclo que dá início a um
novo ano, somente isto." Em resumo: 2012 não é a data do fim do mundo.
A
mitologia maia também ignorava solenemente o assunto. "Eles não tinham
lendas nem mitos tratando do fim do mundo", garante o arqueólogo
Alexandre Guida Navarro, professor de [leia mais] História da
América da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que já realizou várias
escavações em sítios arqueológicos maias, como o de Chichén Itzá, no
México. "Ao contrário, os mitos desse povo estão repletos de situações
que privilegiaram a criação do universo, dos seres vivos e dos deuses
responsáveis por esse acontecimento, mas desprezaram questões associadas
à destruição. Eles não acreditavam no fim do mundo simplesmente porque,
para essa civilização, o mundo não tinha fim. Ao contrário, ele estava
em constante transformação."
Isso parece se confirmar na
concepção de mundo das comunidades maias atuais - sim, elas ainda
existem, principalmente na Guatemala. Em vários anos realizando trabalho
de campo, em contato direto com o que resta desse povo, Navarro, que é
pós-doutor em arqueologia histórica pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), nunca ouviu referências ou histórias sobre o fim dos
tempos. "Nenhum maia contemporâneo fala sobre isso", diz. "Nenhuma
comunidade atual tem essa ‘memória’ do fim do mundo. É mais uma
evidência de que foi uma criação ocidental para atrair o público a temas
especulativos e que não contribuem para o entendimento da complexidade
que teve essa civilização." A questão é o que calendário maia acaba em
21 de dezembro do ano que vem. Talvez tenha sido apenas falta de tempo
para esculpir em pedra sua continuação.
Mas então, de onde
surgiu a ideia de que esse povo previu o fim do mundo exatamente para o
dia 21 de dezembro de 2012? Provavelmente do calendário deles. Ou
melhor, calendários: os maias tinham mais de um. E pelo menos um deles
nem era exclusivo dessa civilização, mas comum a outros povos
mesoamericanos. O fato é que eles tinham um sentido histórico muito
apurado em relação ao seu dia a dia, além de uma grande preocupação em
medir a passagem do tempo. Todos os eventos políticos e religiosos
importantes, como a fundação das cidades, a coroação dos reis, o
surgimento de novas dinastias ou as vitórias militares decisivas, por
exemplo, eram registrados detalhadamente.
Eles tinham uma
concepção circular ou cíclica do tempo e, a partir da observação dos
astros, elaboraram calendários complexos e precisos. Um deles é solar,
chamado Haab ou Haab’, formado por 18 meses de 20 dias cada,
totalizando, portanto, 360 dias. A esses, se somam mais cinco dias,
formando um mês, conhecido como Wayeb, que acreditavam estar associado a
maus augúrios. Ou seja, um ano de 365 dias, como o do mundo ocidental
de hoje. Havia ainda um calendário religioso chamado Tzolkin, ou
Tzolk’in, composto por 13 meses de 20 dias, isto é, 260 dias. Era o mais
importante, porque regia a vida do povo, as cerimônias religiosas e a
organização das tarefas agrícolas.
Segundo Navarro, esses
calendários não funcionavam separadamente, mas sim em conjunto, formando
um tipo de engrenagem em que um dependia do outro para "girar". Assim, o
primeiro dia do primeiro mês de cada um deles só voltava a se repetir
depois de 52 anos, dando origem a um terceiro calendário, que é a
chamada Roda Calendárica (por causa da metáfora com a engrenagem). Nesse
sentido, o fim de uma Roda Calendárica representava o término de um
ciclo de 52 anos, mas não o fim dos tempos. O mundo passaria, então,
apenas por um período de transformação, remodelação, reestruturação ou
reconfiguração. É dentro desse contexto que eles destruíam seus templos e
construíam outros em cima ou, então, derrubavam parte dele e erguiam
outro sobre a estrutura que já existia. "As pirâmides maias, por
exemplo, são como fatias de bolo, pois apresentam várias camadas
internas que correspondiam às remodelações que os edifícios sofriam,
quando terminava um período do calendário de 52 anos", explica Navarro.
Nesse momento, os rituais e cerimônias religiosas se intensificavam.
Tudo isso tinha somente um único objetivo: garantir o equilíbrio
cósmico.
Quando uma Roda Calendárica terminava, os maias
realizavam rituais associados a derramamento de sangue, como os
sacrifícios. "Para nós, essa ideia pode parecer absurda e cruel, mas
para eles fazia parte de seus sistemas religioso e cultural, porque o
sangue é o líquido vital, foi com ele que os deuses construíram os seres
vivos e parte do universo", esclarece Navarro. "O sangue garantia a
continuidade da vida no planeta, por isso eram realizados os sacrifícios
humanos." E não eram poucos. Em dias de rituais, centenas de pessoas
podiam ser sacrificadas aos deuses, por meio da decapitação ou
cardiotecmia (retirada do coração ainda pulsando do peito da vítima).
Além
disso, o que demonstra como o sangue era importante para a civilização
maia, os próprios reis ou governantes se autossacrificavam, em rituais
nos quais perfuravam os órgãos genitais e as orelhas, com o objetivo de
ofertar sangue às divindades. Para resumir, esses dois calendários, que
levam à formação da Roda Calendárica, chegavam em seu clímax com o
término de um ciclo de 52 anos, que requeria revitalização das cidades e
do poder político, com a oferta de sangue aos deuses com o objetivo de
garantir a vida humana no planeta. Em nenhum momento, como lembra
Navarro, esses calendários abordaram ou previram o fim do mundo. Ao
contrário, são símbolos de renovação. No mundo maia nada termina, tudo
se transforma.
Mas onde, afinal, está a explicação para o
suposto fim do mundo em 2012? Provavelmente num outro calendário,
chamado de Longa Contagem, que tem um ciclo de 5 125,37 anos. Nele, as
datas eram compostas de uma combinação de cinco algarismos, começando em
0.0.0.0.0.
Esses números aumentam da direita para a esquerda.
Depois de 1 milhão e 872 mil dias - ou os 5 125,37 anos -, a marcação
voltava a zerar. Esse período equivalia para os maias a um Grande Ciclo
ou Era. Não significava o fim do mundo, mas um momento em que ele seria
renovado pelos deuses.
No século 20, foi descoberta a
correspondência entre esse calendário e o gregoriano, que usamos hoje.
Constatou-se que a "data zero" dos maias coincidia com o dia 11 de
agosto de 3114 a.C. Não se sabe por que essa data marca o início da
Longa Contagem, mas acredita-se que ela se refira a um evento mítico. De
qualquer forma, o ciclo se encerrará justamente no dia 21 de dezembro
de 2012. Daí, para os místicos e crédulos em geral associarem essa data
ao fim dos tempos, foi um átimo. Mas eles podem estar sendo vítimas de
uma peça pregada pelo avanço das pesquisas nesse campo. Já há estudiosos
que contestam o cálculo da correspondência entre a Longa Contagem e o
calendário gregoriano.
Num artigo publicado no livro Calendars
and Years II: Astronomy and Time in the Ancient and Medieval World, o
professor da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, Gerardo
Aldana, coloca em dúvidas as conversões aceitas atualmente do calendário
maia para o gregoriano. Segundo ele, elas podem estar erradas por um
período entre cinco e dez anos. Pode não parecer muito, mas coloca em
cheque a precisão da previsão do fim dos tempos exatamente para 21 de
dezembro do ano que vem. Segundo o pesquisador, o problema estaria na
veracidade dos documentos utilizados nos cálculos. Ao que parece,
portanto, ainda não será desta vez que tudo se acabará. O que não terá
fim, com certeza, é a busca que os crentes no apocalipse farão por uma
nova data para que suas profecias se concretizem.
Era para acabar em... Previsões furadas sobre o apocalipse
1000
O mundo teria fim mil anos depois do nascimento de Cristo
1553
O mundo seria consumido pelas chamas
1736
Previsão do teólogo William Whiston
1881
Egiptólogos cravaram que seria o fim dos tempos
1914
O fim, segundo os Testemunhas de Jeová
1982
Astrônomos previram um cataclismo
2000
O mundo teria fim 2 mil anos depois de Cristo
Dança dos números
A confusão entre maias e astecas Existe
uma grande confusão hoje em dia com relação ao calendário maia. Aquele
que vem sendo divulgado, na maioria dos casos, como sendo dessa cultura,
na verdade pertence a outro povo, o asteca, que viveu séculos depois e
cuja maneira de contar o tempo era diferente. Basicamente, os maias
tinham dois calendários: Tzolkin, ou Tzolk’in, composto por 13 meses de
20 dias, isto é, 260 dias; e o Haab ou Haab’, formado por 18 meses de 20
dias cada, ou seja, 360 dias. Havia um terceiro, cujo ciclo era de
cerca de 5 125 anos, do qual teria surgido a previsão de que o mundo
acabará em 2012. Mas, segundo o especialista em cultura maia Alexandre
Navarro, esse calendário não foi sistematizado por esse povo. "Ele é
mencionado em poucas fontes", diz. "Os maias nunca se preocuparam em
registrá-lo de maneira organizada. É diferente do calendário asteca, no
qual está tudo bem explicado." No final de março, José Luis Romero, do
Instituto Nacional de Antropologia e História do México, apresentou a
pedra do calendário maia na cidade de Tabasco. "Em nenhum de seus lados
diz que em 2012 o mundo vai acabar", afirmou. "No pouco que se pode ler,
os maias se referem à chegada de um senhor dos céus, coincidindo com o
encerramento de um ciclo numérico", disse Romero.
Fonte: SILVEIRA, Evanildo. Maias - o último calendário. IN: Revista SuperInteressante. Disponível em: http://super.abril. com.br/historia/maias-ultimo-calendario-686348.shtml?utm_source=redesabril _jovem&utm_medium=facebook&utm_ campaign=redesabril_mundoestranho&. Acesso em: 17 dez 2012.
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on 21 de dez. de 2012
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7º Ano,
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